por Daniela Seles
(Foto: BigHit Music)
Em julho de 2022 saiu o tão esperado BTS Festa e foi nesse momento que tivemos conhecimento que ali iniciava-se um novo capítulo na história do grupo BTS. A partir daquele momento seríamos contemplados com trabalhos solos dos membros. E foi no final de 2022 que o líder do grupo, RM, lançou o seu primeiro álbum.
Kim Namjoon ou RM, como é conhecido o jovem líder do grupo BTS, acumula em sua discografia diversas parcerias com artistas como Lil Nas X, Fall Out Boy, So!YoON!, eAeon, Balming Tiger, dentre outras colaborações, bem como duas mixtapes muito bem construídas, RM e mono., lançadas em 2015 e 2018, respectivamente.
Indigo, o primeiro álbum solo do artista, tem a duração de 32 minutos, divididos em 10 músicas que contam com feats de diferentes artistas.
TRACK BY TRACK
Yun
A primeira faixa do álbum leva o nome de Yun - e a canção possui esse nome em homenagem ao artista Yun Hyongkeun, que também tem suas obras referenciadas e utilizadas na capa do próprio álbum. Yun é uma parceria de RM com a incrível cantora, compositora e ativista Erykah Badu. A canção é a nossa primeira guia pelo universo de Indigo e tem como temática recorrente a relação entre o ser humano e o artista. Na faixa, há a constante repetição do verso "I wanna be a human, before do some art", que serve como um auto lembrete para Kim Namjoon de que ele quer ser, em primeiro lugar, humano para que, assim, consiga produzir sua própria arte. Para quem lida com a arte diariamente esse dilema é, de fato, bem corriqueiro. Frequentemente entramos nesse embate de distinguir esses dois mundos, mas a verdade é que um é decorrência do outro. O que faz a arte ser arte, é ser humano em primeiro lugar, pois é isso que traz essa singularidade para os trabalhos artísticos. Ou seja, sem dúvidas, é preciso ser um humano, para, assim, construir e expor nossa própria arte.
Still Life
Na segunda faixa do disco, Still Life, temos a presença do cantor Anderson .Paak. Nessa música, que também possui um MV incrível, damos de cara com um novo dilema/sentimento: o de perceber que ainda há uma vida a ser vivida. É um mergulho em memórias de que embora algumas coisas sejam difíceis, ainda há motivos para tentar - a letra se coloca em oposição ativa a ideia de desistir, como frisado em trechos da música, em que há um diálogo de .Paak e RM: "coisas ruins acontecem na vida, mas a vida continua", bem como no refrão “a vida é melhor que a morte, eu vou provar”.
All Day
Na música chamada All Day, temos a presença do cantor e compositor Tablo, do grupo Epik High. Tablo é uma grande inspiração para o Namjoon e, nos vídeos dos bastidores do álbum e as demais interações entre os músicos, fica claro o respeito e admiração que um sente pelo outro. Esse respeito e admiração mútua é transposto para a música, uma vez que ambos fazem referências a trabalhos anteriores um do outro. Ainda que a canção tenha batidas mais agitadas, All Day tem como tema recorrente a (re)descoberta pessoal de um indivíduo; é sobre descobrir coisas novas, mas, também, avaliar e refletir sobre gostos antigos, principalmente em um mundo predominantemente digital, no qual somos influenciados e bombardeados com coisas novas o tempo inteiro.
Forg_tful
Forg_tful foi a primeira canção do álbum a ser trabalhada: seu processo começou em 2019 e conta com os vocais da cantora Kim Sawol. A quarta música do álbum possui uma melodia suave e uma atmosfera reconfortante e calma, apesar de solitária. Nela podemos notar que a temática é o fato de que às vezes, estamos tão imersos na nossa própria mente e dilemas, que acabamos esquecendo das coisas que amamos, dos nossos amigos, mas que isso não acontece de forma proposital. Nesse sentido, essa faixa atua como um desabafo e, talvez, um pedido de desculpas por isso.
Closer
A música Closer é uma parceria de RM com alguns artistas como o cantor e produtor Paul Blanco e a cantora britânica Mahalia, além de contar com a produção do duo HONNE (a dupla já havia trabalhado com RM anteriormente na música Crying Over You, além do duo já ter produzido seoul um dos maiores sucessos da mixtape mono.). Essa é a canção que mais possui uma pegada R&B, justamente por contar com colaborações que são conhecidas por trabalhar esse gênero. Além disso, a faixa acabou se tornando um viral no TikTok. Aqui a letra trata de falar sobre pessoas que não podem ficar juntas, mas que há um conformismo de que "não era pra ser e está tudo bem".
Change pt.2
RM tinha lançado anteriormente uma música chamada Change, em 2017, em parceria com o rapper Wale. Entretanto, apesar de compartilharem o mesmo nome, em Change pt.2 eles abordaram outras coisas. Nesse sentido, o nome da sexta música de Indigo é bem sugestivo sobre qual será o tópico a ser tratado: mudanças. Enquanto sua predecessora fala de mudanças num aspecto muito político e a vontade de mudar o mundo, Change pt.2 fala sobre mudanças pessoais. Aqui há uma constante repetição de que tudo está em constante mudança: as coisas mudam, as pessoas mudam, tudo muda. E como, com isso, a própria pessoa acaba mudando e se tornando irreconhecível ao seu eu antigo. É uma música mais crua e experimental em um sentido estilístico.
Lonely
A sétima canção leva o nome de Lonely e, bem como o próprio nome diz, expõe o sentimento de solidão que nos rodeia. É uma das poucas faixas do álbum que não conta com um feat. Não é uma coincidência. Mas a verdade é que em Lonely a gente acaba sendo levado a nos questionar e pensar sobre a nossa própria solidão. É uma música sobre não se sentir pertencente, sobre estar perdido e, principalmente, sobre estar sozinho.
Hectic
A canção Hectic é uma parceria de RM com o cantor Colde, com quem acabou de lançar uma música chamada DontEverSayLoveMe. Em Hectic, que tem uma pegada de city pop, a gente se depara com a incompletude da juventude: é uma música que fala sobre arrependimentos e sobre sentimentos complicados que precisamos lidar na nossa juventude
Wild Flower
A penúltima música do álbum, que serve como lead single para o álbum, é uma parceria com a cantora youjeen e se chama Wild Flower. As melodias presentes nessa canção tem o poder de nos transportar por diversas emoções. A música funciona perfeitamente como a síntese do que é o tal dos vinte e poucos anos: um sabor agridoce. Ainda que a música te faça sentir inspirado e com uma sede e vontade de viver, no fundinho resta algo acre, amargo. Funciona como se fosse um lembrete dos momentos ruins que fazem a gente ser... A gente. Wild Flower não está aqui, necessariamente, para confortar as pessoas, mas sim para explorar a explosão de sentimentos que nos abate. Entretanto, ela pode sim trazer esse conforto, uma vez que você entende os sentimentos ali depositados.
No.2
A última música, No.2, é um feat com a artista parkjiyoon e tem como objetivo ensinar a lição de que, independente de quais escolhas você fez, são elas que te trouxeram para o lugar onde você está hoje. A canção encerra lindamente o álbum, nos lembrando de que não precisamos carregar tantos arrependimentos.
(Foto: BigHit Music)
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RM já relatou que esse foi um álbum que foi construído desde 2019, passando, inclusive, pela época da pandemia. É um álbum que reúne as emoções, sentimentos, pensamentos e ideias do artista RM, mas também e, principalmente, da pessoa Kim Namjoon. Nesse sentido, ele deixa claro a vivência dele como artista e um pouco de sua vida privada também.
Além disso, ainda que o álbum transite por diversos gêneros musicais como boom bap, city pop, R&B, entre outros, Indigo é construído de forma natural, orgânica e fluida. Sendo assim, é impossível se manter desconectado enquanto escuta o álbum de Kim Namjoon. Sempre há uma nova descoberta, uma nova atração, um novo sentimento para revisitar entre as músicas. Há quem diga que o álbum é uma síntese sobre as diversas cores que RM carrega consigo, mas é válido destacar que o sentimento de representatividade é bem presente nessa obra. Nesse sentido, Indigo é uma síntese das cores que RM e os artistas convidados do álbum carregam consigo, mas, também, uma síntese das diversas cores e nuances que os ouvintes também possuem. Com isso, embora o álbum fale muito sobre sentimentos pessoais de Kim Namjoon, é impossível não se identificar com certas canções por trazer temas tão comuns à sociedade. Indigo é um retrato sobre crescimento e mudança, um registro sobre o envelhecimento e o amadurecimento.
É possível destacar, então, que o álbum permeia por temas relativos à inquietude da juventude, e isso fica claro quando olhamos que existe a frase "the last archive of my twenties" (o último arquivo dos meus vinte poucos anos), fincada na capa e photobook do álbum, bem como utilizada nas mídias de divulgação do álbum. Dessa forma, notamos que o tal dos vinte poucos é uma fase de transição, onde somos tudo e, ao mesmo tempo, nada. Estamos no meio do caminho, em uma fase de transição e descobertas. É o período no qual somos bombardeados com muitos pensamentos e sentimentos. Esses sentimentos tomam muito espaço, fazem morada. Alguns pensamentos criam diversas ramificações, algumas nocivas, como ervas daninhas, que sugam muito da gente.
Outro assunto que aparece no disco é a temática das mudanças. Por vezes, ele elabora pensamentos sobre as mudanças que ocorrem em nossas vidas, justamente por estarmos em uma fase transitória, e em como somos resistentes a elas. Nesse sentido, é possível notar que, em geral, estamos acostumados com algumas constâncias, mas as coisas vão mudar em algum momento: nada é o mesmo para sempre. Acredito que, aqui, a mensagem é de que não precisamos ter medo disso, pois essas mudanças servem como uma forma de renovação. A lição que se pode tirar disso é que não precisamos saber de tudo e ter feito todas as descobertas com vinte poucos anos! Vivemos em uma sociedade em que a mudança está cada vez mais frequente e tudo acontece com muita rapidez: somos o tempo inteiro bombardeados com novas informações e isso, com toda certeza, dificulta bastante o momento em que precisamos tomar certas decisões, definir o que gostamos e escolher quais caminhos queremos seguir. Então está tudo bem a gente precisar de um tempo maior para absorver certas coisas. Isso não diminui em nada o que somos em nossa essência. A vida não precisa ser sobre a velocidade que fazemos as coisas, mas sim das escolhas que fazemos e sobre se manter verdadeiro ao nosso âmago.
Existe também um tópico recorrente quando falamos sobre juventude que é a questão da solidão que, por vezes, nos assola. Aqui cabe ressaltar que, em especial na juventude que foi afetada pela pandemia, certos sentimentos foram muito mais intensificados. Kim Namjoon descreve muito bem essa solidão em sua sétima canção do álbum. Ele utiliza desse espaço para se expressar sobre o sentimento de solidão, a sensação de sufoco e angústia. Entendo que exista alguns subtextos nesses versos: está tudo bem sentir certos sentimentos que consideramos ruins. O mundo externo já nos sufoca tanto que não precisamos fazer o mesmo com os nossos sentimentos. É nesse momento em que existe a junção de uma legião dos vulneráveis e o momento em que podemos perceber que não estamos sozinhos e que, em algum lugar, existe alguém que nos entende. Além disso, não devemos ser tão severos com nós mesmos. É preciso saber olhar para nós mesmos com mais respeito e gentileza e tentar levar uma vida sem tantos ressentimentos: as escolhas que fazemos são o melhor que podemos fazer no momento e é isso que importa.
Portanto, Indigo é, sem dúvidas, o relato de uma história genuína que merece ser ouvida e compartilhada. RM consegue, aqui, contar sobre a experiência de vulnerabilidade e fragilidade emocional de forma terna e com muita sensibilidade. É um álbum que produz um calor, um afeto, quase um abraço e as doces palavras de “Eu te entendo!”.
Esse álbum não vai nos entregar todas as respostas que buscamos sobre a nossa juventude, mas, sem dúvidas, ele funciona como um espelho, nos permitindo ficar em um lugar de reflexão e entendimento pessoal, que nos guia até uma possível resposta, ou algo como o meio do caminho, sobre o que é a juventude.
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